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Brasil, carros elétricos, sustentabilidade e aftermarket

Publicado em 23/07/2021

Sempre gostei muito de palíndromos, aquelas combinações de letras que formam palavras que podem ser lidas da esquerda para a direita (nossa maneira normal) ou da direita para a esquerda, sem perder o sentido. E, da mesma forma, o título deste texto pode ser lido como um palíndromo de palavras. O sentido da leitura não altera seu significado.

Acompanho com interesse profissional e pessoal tudo que Automotive Business faz, que sempre é de excelente qualidade e colabora de verdade para o melhor entendimento do nosso setor e para a melhoria contínua dos negócios.

Lendo a newsletter do dia 7 de junho, três notícias chamaram a minha atenção e reproduzo aqui as manchetes de cada uma delas: (1) Fiat deixará de vender carro a combustão até 2030, (2) Nova bateria vertical pode aumentar a autonomia do carro elétrico em 30%, e (3) Na contramão do mundo, carros elétricos serão só 10% das vendas no Brasil em 2030.

Achei curioso que as três estivessem numa mesma edição. Outra curiosidade foi que 2030 está aí, à nossa porta. E foram essas coincidências que me levaram a escrever esta reflexão sobre os quatro temas do título.

Há quase dois anos fui convidado pelo Rodrigo Carneiro, presidente da ANDAP (Associação Nacional dos Distribuidores Atacadistas de Autopeças) a conduzir um painel sobre eletrificação veicular e seus impactos no mercado de reposição (o aftermarket). Para enriquecer o painel chamei dois experts: o professor Mauro Alves, do Senai, e Silvio Cândido, proprietário da oficina Peghasus.

Para começar o painel, propus aos participantes um cenário hipotético: imaginem que como ato derradeiro de Michel Temer na presidência ele decretasse o final da produção de veículos como motor de combustão interna (MCI) a partir de 1º de janeiro de 2019. O impacto deste ato junto às montadoras, sistemistas, fabricantes de autopeças, indústria petroquímica, concessionários, seria brutal. Mas e o aftermarket?

Para esta simulação o time da Fraga Inteligência Automotiva calculou o que batizamos de “Efeito Cuba”, ou seja, se não produzíssemos mais veículos MCI no Brasil até quando haveria manutenção dos veículos em circulação? A resposta foi estarrecedora: até 2080!

Passaríamos a ser um nicho de mercado, tão especializado quanto quem conserta máquinas de escrever e aparelhos de videocassete. Veríamos a representação clássica de uma curva de ciclo de vida de produto como aprendemos nos manuais de marketing.

Porém, e sempre há um porém, algumas premissas do modelo de eletrificação veicular não podem ser gravadas na pedra. E para entender onde está esse gargalo é importante olhar para o macroambiente, para aquelas variáveis incontroláveis que afetam o seu, meu, o negócio de todos. Vamos a elas.?

O APELO SUSTENTÁVEL

É inegável que a queima de combustíveis fósseis traz problemas para o planeta, além de serem economicamente complicadas, visto se tratar de fontes não renováveis. Mas, em estudo realizado em 2014, pesquisadores ligados à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo e à Faculdade de Saúde Pública estudaram os dados de congestionamento e qualidade do ar na cidade de São Paulo entre 1999 e 2006, e os resultados mostraram um coeficiente de correlação negativa. O aumento dos congestionamentos, tanto em duração temporal quanto em extensão, causou uma diminuição de poluentes. A explicação é tecnológica.

Desde a adoção do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve) em 1986, a obrigatoriedade dos convertedores catalíticos (catalisadores) trouxe uma melhora significativa na quantidade e na qualidade das emissões.

E ainda no capítulo tecnologia, o que dizer a respeito do uso do etanol no Brasil? Uma fonte de energia renovável, que remonta a meados dos anos 1970. Passado o período de introdução (no mesmo gráfico de ciclo de vida de um produto), em que os carros movidos a etanol não davam partida em manhãs frias, à adoção do tanquinho de gasolina até às tecnologias atuais para partida a frio, o que vimos foi um avanço nesta inovação, fazendo com que quase 70% da frota circulante seja composta por veículos flex fuel.

Voltando ao macroambiente, o apelo sustentável de veículos elétricos na América do Norte e na Europa pode ser reputado a questões geopolíticas.

De Nixon (1969-1974) a Obama (2009-2017), a dependência de petróleo de origem estrangeira nos Estados Unidos passou de 36,1% para 66,2%, ou seja, dois terços de todo o petróleo consumido por lá vem de outros países, principalmente Venezuela, Nigéria e Arabia Saudita. Some-se a isso o fato de toda a economia doméstica norte-americana depender da mobilidade.

Com exceção das grandes cidades que dispõem de um sistema de transporte público estruturado (como Chicago ou Nova York), o uso de veículos é indispensável na maioria das cidades. Uma estatística comparativa mostra que por lá a proporção é de 797 veículos a cada 1.000 habitantes. Aqui, são 249 veículos a cada 1.000 habitantes.

Na Europa a situação da mobilidade é assunto de há muito discutido. Nas históricas cidades de Paris, Roma, Londres, o sistema de transporte público é o preferido, ainda que as proporções de veículos por 1.000 habitantes sejam maiores que as brasileiras (França: 578/1.000, Alemanha: 572/1.000, Itália: 679/1.000).

A dependência de petróleo russo (27%), iraquiano (9%), nigeriano e saudita (8% cada), também colocam a União Europeia em situação de vulnerabilidade geopolítica.

Se em geral os habitantes do Velho Continente (ingleses incluídos) tendem a ser mais “verdes” que os vizinhos do outro lado do Atlântico Norte, a motivação econômica para uma mudança na matriz energética da mobilidade para a eletricidade, tampouco é sustentável já que o uso de termoelétricas abastecidas com gás ucraniano ou usinas nucleares não são exatamente fontes renováveis.

Neste sentido, o nosso etanol de cana-de-açúcar, a construção de fazendas solares e parques eólicos são, inexoravelmente, fontes de energia renovável e acima de tudo sustentáveis.

Ameaçados como estamos de um eventual racionamento de energia no segundo semestre, vamos recarregar os carros elétricos onde? Há, mas existe a regeneração de energia durante o uso do veículo, mas é suficiente? E em largas distâncias em que só há aceleração e pouca frenagem, o que vai carregar este veículo? Daí a chamada da nova bateria vertical, para aumento da autonomia.

UM DISCURSO LUDDITA?

Os ludditas se notabilizaram no início da Revolução Industrial na Inglaterra por serem contrários ao desenvolvimento tecnológico advindo com a mecanização da indústria têxtil e como forma de protesto, quebravam as máquinas.

Longe de propor um discurso ludditas, minha reflexão se dá no campo da lógica inexorável dos negócios, das vantagens comparativas e das vantagens competitivas.

Não há nada mais sustentável que o mercado de reposição. É prática comum e corrente nas organizações a adoção dos princípios dos 3Rs (reduzir, reciclar e reutilizar). O mercado de reposição agrega um quarto R a estes princípios: reparar.

Fortalecer o mercado de reposição é ser sustentável. A legislação ambiental transformou as oficinas (da rede de concessionárias ou independentes) em modelos de referência sobre práticas ambientalmente corretas. O desafio é a capilaridade deste nosso país continental, mas como quase tudo no mundo business trata-se de uma equação de retorno diretamente ligada ao esforço.

PARA ONDE VAMOS?

Me parece razoável pensar que a terceira chamada da newsletter sobre o Brasil na contramão do mundo, seja justamente o contrário se a razão de ser da eletrificação veicular esteja pautada na sustentabilidade.

Matéria recente de Valor Econômico apontou que só 12,4% das rodovias brasileiras são pavimentadas. Como estabelecer uma infraestrutura de postos para recarregar veículos elétricos em situações como esta?

Se a eletrificação tem um apelo sustentável, que particularmente discordo, como implementá-la se não temos energia, nem estradas, nem infraestrutura?

Voltando à contramão, me lembrei de um conto em que um motorista está trafegando numa avenida e escuta no rádio: “atenção tem um veículo na contramão na avenida”, ele olha para os lados e afirma: “um não, vários”.
Brasil, carros elétricos, sustentabilidade e aftermarket

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Fonte: Automotive Business

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