História da indústria automotiva é feita de casamentos, namoros e amizades, alguns bem duradouros, outros litigiososPublicado em 13/06/2025 Na indústria automotiva, o Dia dos Namorados é bem menos passional. Claro que muitos relacionamentos entre empresas do setor têm juras de amor eterno, porém o que interessa são as cifras.São relacionamentos francos. Redução de custos com sinergia de plataformas, otimização de logística e aumento das margens de lucros estão nos objetivos das fusões e parcerias que vemos no segmento de veículos. Muitos destes namoros deram certo e resultaram em casamentos que estão aí até hoje. Alguns matrimônios tiveram de se adequar aos novos tempos para não deixar a relação esfriar – alguns até com poliamor. Outros foram apenas aquela "ficada” por um período, ou mesmo uma amizade colorida providencial para os pares. E tem até relacionamento a três e outros que ficaram só na azaração – flerte, paquera, como preferir… No Dia dos Namorados, relembre e conheça os relacionamentos automotivos que deram certo. E os que deram errado. Casamentos no setor automotivo Stellantis Em janeiro de 2021 um casamento fruto de outros dois casamentos originou "só” a quarta maior montadora do mundo. Depois de um crush rápido iniciado em 2020, FCA – Fiat Chrysler Automóveis e Groupe PSA – originalmente Peugeot Citroën – juntaram as escovas de dentes e formaram a Stellantis, conglomerado automotivo já com uma penca de filhos. A família começou grande. Ao somar os herdeiros de cada lado, são 14 marcas. Não se perca: Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia e Ram do lado FCA; Citroën, DS, Opel, Peugeot e Vauxhall, do lado francês. Ainda tem as divisões dentro de cada empresa. Fiat Professional, Mopar, Peugeot Sport e Opel Performance. Recentemente mais uma se juntou no Brasil: a Circular Autopeças. Porém, em nome da redução de custos, os filhos feios (leia-se, que não dão retorno) são largados. A SRT, que era o braço esportivo da Chrysler, já foi para o brejo. E pelos comentários dos executivos da Stellantis, marcas como Alfa Romeo, Lancia e até a própria Chrysler seguem em cima do telhado. O curioso da Stellantis, é que ela vem de outros casamentos prévios. Vamos entender um pouco como se originaram as duas principais partes do grupo atual. FCA – Fiat Chrysler Automóveis Entre o fim dos anos 1990 e 2007, a Chrysler ficou nas mãos da Daimler (dona da Mercedes-Benz), em uma operação que parece não ter feito bem a nenhuma das partes – como você verá mais abaixo. A tradicional montadora norte-americana (que já controlava Jeep, Dodge e Ram) ficou na corda-bamba na crise de 2008 e encontrou a salvação em uma parceria com a Fiat. O namoro começou no início da década de 2010 e o casamento foi selado em 2014, com a compra da Chrysler pela empresa italiana. Nasceu, então, a FCA, com 10 fabricantes no total e uma sinergia que rendeu bons frutos, especialmente para as marcas Fiat e Jeep. PSA Peugeot Citroën A famosa holding nasceu em 1976, quando a Peugeot se casou com a Citroën. Na verdade, a marca do leão assumiu o controle acionário da conterrânea para formar a PSA. Curiosamente, a empresa chegou a adotar as operações europeias da Chrysler nos anos 1980. Nos anos 2000, a PSA emancipou a DS – então divisão tradicional da Citroën – para se tornar uma marca própria de luxo. Mas o passo mais ousado do matrimônio foi outro processo de adoção. Em 2017, por cerca € 2,2 bilhões, a holding comprou a Opel, então divisão europeia da General Motors, e sua irmã gêmea Vauxhall, mais conhecida como a "Opel do Reino Unido”, e se transformou em PSA Groupe. General Motors A GM é um dos mais conhecidos e antigos conglomerados automotivos do mundo, com vários casamentos e adoções ao longo de mais de um século. Hoje, a montadora reúne apenas quatro marcas basicamente: Chevrolet, Cadillac, Buick e GMC. Porém, já teve emblemáticos símbolos em suas fileiras. Formado em 1908, o grupo ficou enxuto nas últimas décadas. A dieta começou em 2004, quando a GM descontinuou a Oldsmobile. Depois, transformou a Daewoo em GM Korea, encerrou a Holden (Austrália) e negociou a Saab (Suécia). Na hecatombe financeira de 2008, a montadora só não quebrou porque foi estatizada por meses (com controle de 60% por parte do governo dos Estados Unidos) – Karl Marx não viveu para testemunhar isso. A partir dali, o plano de recuperação forçou o foco em uma empresa mais racional. Em menos de dois anos, a GM encerrou a tradicionalíssima marca Pontiac, enquanto Saturn e Hummer foram para o saco (o jipão foi relançado em 2021 com, o símbolo da GMC, a divisão de utilitários e comerciais). Depois dessa sequência, foi a vez de vender a Opel para a PSA Peugeot Citroën. Volkswagen O Grupo Volkswagen é um daqueles casamentos ecléticos, com relacionamentos entre vários gêneros e tendências. A marca VW, por si só, nasceu em 1937, fundada pelo então governo alemão de Adolf Hitler, que queria um carro popular e fez a encomenda para Ferdinand Porsche. O engenheiro, então, criou o Fusca e o resto é história… Mas foi só em 1985 que a empresa alemã resolveu formalizar seu conglomerado na forma da Volkswagen AG. E tome mais namoro com a Porsche, que foi uma importante acionista do grupo até os anos 2000. Contudo, foi a Volks quem fez o pedido de casamento para valer, em 2012, quando comprou a totalidade da marca de esportivos – que estava bem mal das finanças, diga-se de passagem. Atualmente, reúne marcas das mais variadas. Além da VW, tem a Audi (de luxo), Bentley (super-luxo, após um contrubado episódio que você lerá mais adiante), Bugatti (super-esportivos), Lamborghini (esportivos), Porsche, além da espanhola Seat e da tcheca Skoda, da fabricante de motos Ducati e de montadoras de caminhões, como VWCO, MAN e Scania. Toyota A empresa que nasceu como fabricante de máquinas de tear, em 1892, hoje é simplesmente uma das montadoras que mais vende carros no planeta e a mais valiosa entre todas, com 70 fábricas em todo o mundo e presença em mais de 160 países. Só que a Toyota Motor Company nasceu, de fato, em 1937 e por décadas foi uma solteirona convicta. Até que, em 1999, a Toyota passou a flertar com a Daihatsu, uma então fabricante de key car (aqueles micro carros japoneses que pagam menos impostos no país asiático). Depois de morarem juntos por anos, em 2016 veio o casamento formal, quando a Toyota assumiu o controle da empresa e a transformou em uma marca dentro do grupo. Antes disso, a Toyota criou duas divisões bem peculiares. Uma foi a Scion, que durou de 2003 a 2016, uma marca com proposta "yuppie” e voltada para o mercado norte-americano, mas que não vendia nada além do que os… key cars, so que nos EUA. A outra é a Lexus, conhecida no Brasil e que é a divisão de luxo do grupo, com foco em eletrificação. Hyundai O Grupo Hyundai, em termos automotivos, foi formado em 1998, quando a empresa "mãe” comprou a Kia e a Asia Motors. Hoje, é um dos cinco maiores grupos em vendas no mundo, mas vale lembrar que a Hyundai tem negócios em várias áreas: siderurgia, equipamentos, setor naval, construção civil, finanças e até fabricação de elevadores. De volta aos carros, desde o matrimônio que Hyundai e Kia compartilham diversas plataformas. Os filhos começaram a surgir mais recentemente. Nasceram a divisão de luxo Genesis e a marca de elétricos Ioniq. Tata Motors Quem diria que uma montadora de um país que teve uma das mais conturbadas colonizações britânicas teria controle sobre duas das marcas de automóveis mais icônicas da terra do Rei Charles. Pois é, em março de 2008, meses antes de o mundo financeiro ruir, o indiano Grupo Tata comprou a Jaguar e a Land Rover. A empresa original foi criada por Ratan Tata, um dos empresários mais poderosos da Índia, que faleceu em outubro de 2024. A marca ficou conhecida por fazer carros compactos e utilitários, e curiosamente, naquele ano de 2008, antes de pagar US$ 2,3 bilhões à Ford pela JLR, chamou a atenção do mundo ao lançar o Nano, o então carro mais barato do mundo, que custava o equivalente a US$ 3 mil e durou apenas 10 anos. BMW Mesmo com fama de rica e dona de sua marca e da divisão de motocicletas Motorrad, a BMW quis botar mais banca, o que provocou uma das maiores tretas automotivas da história. A marca namorava a Rolls-Royce desde os anos 1980 (era parceria em diferentes projetos) e tinha preferência em pedir a "mão” da marca de alto luxo britânica. Mas veio a Volkswagen e meio que ofereceu um dote maior pela Rolls-Royce. Porém, quem tinha o direito sobre a marca era a parte aeronáutica da empresa britânica, que foi adquirida pela… BMW. A montadora bávara não perdeu tempo e não deixou a Volks usar o "Spirit of ecstasy” da RR. Como a aristocrática fabricante inglesa, originalmente, também era dona da Bentley, foi feito um acordo. A BMW ficou com a Rolls-Royce e a Volks, com a Bentley. Além disso, a BMW sempre quis ter a aristrocracia britânica ao seu lado – e nem sempre se deu bem com isso. A alemã, por exemplo, relançou a marca Mini, do simpático Cooper e suas variantes, e conseguiu êxito. Porém, teve o controle de outras marcas britânicas tradicionais que deram prejú: a Land Rover, vendida à Ford, e a MG Rover, negociada com a chinesa SAIC. Mas é namoro ou amizade? Renault-Nissan-Mitsubishi Aqui é um relacionamento a três bastante moderno e aberto. Em 1999, Renault e Nissan se "juntaram”, do tipo "vamos morar juntos?”, mas sem ninguém meter o bedelho na vida do outro. Desde então, a aliança funciona assim. E qualquer tipo de fusão formal é sempre descartado pelas partes, que volta e meia têm o relacionamento estremecido. No Brasil, chegaram a dividir a fábrica de São José dos Pinhais (PR), durante os anos 2000. Em 2017, o relacionamento ficou aberto para valer. A Nissan assumiu a maioria das ações da Mitsubishi e o trio foi formado. Só que a ideia se manteve: nada de fusão, apenas compartilhamento de plataformas e otimização de custos com as tais sinergias da indústria. E cada um mantém os seus pares dentro da aliança. A Nissan é dona da Datsun e tem sua divisão de luxo Infiniti, enquanto a Renault controla a romena Dacia, é parceira da Samsung Motors e até pouco tempo tinha 25% da russa AvtoVaz, que monta o saudoso Lada Niva. Detalhe é que a Renault andou flertando com a FCA, antes dessa se unir com a PSA. E a Nissan quase entrou num relacionamento sério com a Honda. Divórcios (amigáveis e nem tanto) Ford Nos anos 1990 e 2000 a "família” Ford era grande. Faziam parte do grupo norte-americano a trinca de marcas clássicas britânicas Aston Martin, Jaguar e Land Rover, além da sueca Volvo Cars. Dizem, inclusive, a que a montadora do emblema oval era meio tóxica no relacionamento. Teria deixado muitas dessas fabricantes "de lado” e só se aproveitava de suas tecnologias e motores. Fato é que foi graças a elas (ou melhor, à venda delas), que a Ford encarou de forma quase plena a crise financeira de 2008. Antes do fatídico setembro daquele ano, a marca se capitalizou ao vender todas essas empresas, e ainda reduzir sua participação na japonesa Mazda, de mais de 20%, para menos de 2%. Hoje o Grupo Ford só mantém a Lincoln. E vive de parcerias mundo afora com Volkswagen (para produção das novas Ranger e Amarok), General Motors (câmbio de 10 marchas do Mustang) e várias marcas chinesas. DaimlerChrysler Esse casório foi, na verdade, um belo prejuízo para a dona da Mercedes. A alemã, em 1998, resolveu comprar a Chrysler, que já estava longe de ser saudável financeiramente. Desembolsou cerca de US$ 36 bilhões pela estadunidense para fundar a DaimlerChrysler. A união se mostrou um grande equívoco e dizem que o lado ianque da parceria era uma draga de recursos – tipo a parte do casal que estoura o cartão de crédito. Em 2005, a Daimler passou a Chrysler adiante. Vendeu 80% das ações para o grupo financeiro por R$ 7,4 bilhões. PSA e suas amizades coloridas Antes de se fundir à FCA e formar a Stellantis, a PSA Peugeot Citroën era aquela pessoa frenética do Tinder. A holding francesa vivia dando match em parcerias estratégicas com montadoras diferentes. Nos anos 2000, fez um acordo com a Toyota e se valeu da plataforma do subcompacto Toyota Yago para criar o Peugeot 107/1007 e o Citroën C1. E muito antes de 5008, C4 Cactus ou 3008, as francesas se aventuraram entre os SUVs em 2004, com o Peugeot 4007 e o Citroën C-Crosser, que usavam a plataforma do Mitsubishi Outlander. No Brasil, a parceria envolveu a Iveco. Na unidade da marca italiana em Sete Lagoas (MG) eram feitas as linhas de vans e furgões comerciais Daily, Fiat Ducato, Citroën Jumper e Peugeot Boxer. Mais recentemente, a parceria com a Changan criou as picapes Kaicheng F70 e sua variante Peugeot Landtrek, que foi lançada no Brasil como Fiat Titano. Autolatina Em 1987, Volkswagen e Ford, então líderes de mercado no Brasil, resolveram juntar as escovas de dentes e formaram a Autolatina. O objetivo era desenvolver produtos sobre plataformas compartilhadas, mas cada qual com marcas, nomes, redes de distribuidores e estratégias independentes. A partir dos anos 1990 começaram a surgir os clones de carros das duas marcas. Volkswagen Apollo e Ford Verona, Santana e Versailles e por aí vai. Dizem que o caldo começou a entornar quando a Ford iniciou o desenvolvimento do seu "Gol”, um novo compacto, e a turma da Volkswagen foi contra. Em 1994 anunciaram o fim do casamento, consolidado dois anos depois, com as duas marcas saindo com menos participação de mercado do que quando entraram… General Motors – Fiat Sabe aqueles casamentos com contrato pré-nupcial? Pois é, a GM esqueceu de ler esse com atenção. Em 2001, a montadora norte-americana estabeleceu uma joint-venture com a Fiat para desenvolvimento de powertrain e de novos carros, além de compras conjuntas. Para o Brasil, o fruto mais famoso deste acordo foi o motor 1.8 compartilhado entre as duas marcas. Na verdade, modelos da Fiat – como Palio, Stilo, Siena, Idea, entre outros – começaram a usar o referido propulsor Família II da GM. Enfim, o acordo global estabelecia que a GM tinha poder (e obrigação) de compra sobre a Fiat, que estava bem mal das rodas. Isso mesmo, no contrato a empresa estadunidense tinha de assumir o controle acionário da italiana ao término de um determinado prazo, caso contrário teria de pagar indenização. O que aconteceu? A GM, que já enfrentava dificuldades financeiras, não quis segurar o abacaxi da Fiat e pagou US$ 2 bilhões à então ex-parceira. Foi quando a montadora europeia investiu a grana no lançamento do Grand Punto, carro que a salvou da falência e a capitalizou para, depois, comprar o Grupo Chrysler. Ficaram só no flerte Honda e Nissan O caso recente mais famoso que quase deu em namoro no setor automotivo foi o que envolveu Honda e Nissan. Quando a sua tia já estava pondo o chester para assar e tascando aquela uva passa na salada para a ceia de Natal, as duas fabricantes japonesas confirmaram as negociações para uma fusão. Mas deve ter sido um primeiro encontro muito ruim, porque tudo não passou de um flerte. Depois de muitas fofocas acerca de desavenças sobre pontos importantes que envolviam a fusão,a relação ficou desgastada antes mesmo do primeiro beijo. Resultado: menos de dois meses depois de atrapalhar o Natal do povo que cobre o setor, Honda e Nissan encerraram os planos de fusão e vão passsar esse Dia dos Namorados automotivo sem presentes. O amor está no ar Apesar da experiência ruim de Honda e Nissan, outras paqueras e azarações correm soltas no mundo automotivo. Quem diria, inclusive, que tradicionais marcas ocidentais fossem flertar com montadoras chinesas como vem ocorrendo? Já no Brasil, são as chinesas que tentam seduzir as empresa com fábricas aqui. Tudo para se valer das linhas de montagem já estabelecidas e viver um caso de amor sincero e durável. Como diria o poeta Vinícius de Moraes: "que seja eterno enquanto dure”. |
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Fonte: Automotive Business